
Entre matas, rios e ocupações, as APAs Catolé–Fernão Velho e Pratagy guardam um bem essencial: juntas, garantem cerca de 57% do abastecimento de água da capital alagoana.
Por: Rodrigo Rosas – Jornalista – Registro nº 0001979/AL

A cidade de Maceió está rodeada por mares, arrecifes e corais, além de lagoas interiores de grande importância Mundaú (a oeste), Manguaba (ao sul) e a Reserva Ecológica dos Manguezais da Lagoa de Roteiro, que integra o sistema costeiro-lagunar e os manguezais da região, dentre as que também mantém sua importância para cidade estão: Parque Municipal e Riacho do Silva como locais de preservação urbana e cursos d’água que sustentam o ecossistema. Mas é dentro das áreas terrestres, nas Unidades de Conservação Estaduais, que se encontram os mananciais e nascentes responsáveis por parte significativa do abastecimento urbano.
As Áreas de Proteção Ambiental (APA) ao proteger remanescentes florestais, matas ciliares e olhos-d’água, atuam como uma “esponja natural” interceptam a chuva, promovem infiltração, filtram sedimentos e liberam a água de forma gradual, sustentando rios e aquíferos que abastecem a cidade.
“As unidades de conservação são estratégicas não apenas para proteger a biodiversidade, mas para garantir que a população tenha água em quantidade e qualidade. A preservação das nascentes é investir na sustentabilidade do abastecimento para o futuro.” Alex Nazário, Gerente de Unidades de Conservação do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA).
O peso das APAs no abastecimento (recorte 2015–2025)

Diante do diálogo com diversos especialistas e gestores a respeito da relevância da APAs e de seus recursos hídricos a Gerente de Controle Ambiental da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), Elane Pereira revelou que as APAs do Catolé–Fernão Velho e do Pratagy respondem por aproximadamente 57% do abastecimento da capital. Esse volume traduz-se diretamente em torneiras que devem estar abastecidas nos bairros aqui citados:
- APA Catolé–Fernão Velho (Riacho Catolé e Aviação) abastece principalmente a Zona Alta: Cidade Universitária, Tabuleiro, Clima Bom, Colina dos Eucaliptos, Bebedouro e adjacências.
- APA Pratagy (Rio Pratagy) abastece boa parte da Zona Baixa e Média: Pajuçara, Ponta Verde, Mangabeiras, Jatiúca, Jacarecica, além de Jacintinho e Feitosa, com possibilidade de reforço para o Centro em manobras operacionais.
“Proteger a APA do Pratagy exige harmonia com a população, tendo em vista que possui áreas urbanizadas, sendo essencial para equilibrar o crescimento da cidade e assegurar à sociedade o abastecimento de água de qualidade”. ressalta a gestora da APA do Pratagy Camila Silva. Em Alagoas, a APA Pratagy, que abrange os municípios de Maceió, Rio Largo e Messias, é a mais populosa, com 82.849 habitantes. A maior parte dessa população está localizada no bairro Benedito Bentes.
Esse vínculo direto entre proteção ambiental e abastecimento urbano torna a conservação das APAs uma política de segurança hídrica não apenas de preservação da natureza.
O que a ciência explica sobre relevo, solo e água

O geógrafo Esdras Andrade, Pesquisador do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) lembra que Maceió se assenta sobre um tabuleiro sedimentar: sua geologia e relevo explicam a formação de nascentes e a dinâmica de recarga dos aquíferos. Onde há cobertura florestal e solo permeável, aumenta a infiltração; onde há compactação e impermeabilização, cresce o escoamento superficial e o assoreamento.
Kleython Monteiro (Professor geomorfólogo, UFAL) complementa: a perda de vegetação nas encostas acelera processos erosivos que transportam sedimentos para rios e reservatórios, reduzindo a capacidade de retenção e piorando a qualidade da água implicando custos maiores de tratamento e maior vulnerabilidade à escassez.
No recorte 2015–2025, especialistas observam mudanças de uso do solo (expansão urbana e transformação de áreas agrícolas) que alteraram a capacidade natural de infiltração e drenagem do território protegido pelas APAs.
Pressões, crimes ambientais e fiscalização

“O avanço imobiliário e a ocupação irregular são os maiores perigos para as nascentes. Retirar a vegetação ou lançar efluentes compromete a produção de água.” Sargento Anderson Góes do Batalhão de Polícia Ambiental de Alagoas (BPA/PMAL).
Entre 2015 e 2025, fiscalizações do BPA em conjunto com IMA e IBAMA identificaram desmatamentos, ocupações e lançamentos de efluentes em áreas de recarga. Casos de invasão de áreas protegidas já resultaram em multas, termos de ajustamento e ações judiciais medidas que, segundo Góes, precisam ser somadas a mais fiscalização e penas mais severas para desestimular práticas degradantes.
A participação da população, via denúncias, surge como ferramenta prática e eficaz: alertas calorosos de moradores ajudam as equipes a agir com rapidez e a conter danos. Em contrapartida, podemos citar outro problema, “as queimadas” nessas áreas, que representam uma ameaça significativa à qualidade da água dos mananciais que abastecem Maceió. A destruição da vegetação nativa compromete a capacidade de infiltração da água da chuva, aumentando o risco de escassez hídrica e comprometendo o abastecimento da capital. O IMA mantém em seu site relátórios mensais de queimadas para acesso da população, gestores, sociedade civil, um compromisso com a fiscalização desses atos prejudiciais.
Tratamento, qualidade e eficiência operacional

“Quando uma bacia hidrográfica possui matas ciliares preservadas, a água bruta chega com menor turbidez, menor carga de sedimentos e menor concentração de poluentes. Isso permite reduzir produtos químicos e consumo de energia no tratamento.” enfatizou Elane Pereira, Gerente de Controle Ambiental da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal).
Elane destaca que, além da preservação, o desafio operacional de 2015–2025 foi lidar com picos de turbidez após eventos de chuva intensa e com a entrada de contaminantes difusos (agrotóxicos e efluentes). Esses fatores elevam custos e exigem resposta técnica integrada entre saneamento e gestão ambiental.
Governança: do plano de manejo ao monitoramento tecnológico
Marianny Monteiro (Professora do CESMAC, especialista em governança hídrica) aponta que a governança é peça-chave: planos de manejo, conselhos gestores, geoprocessamento e integração entre comitês de bacia e órgãos municipais/estaduais precisam andar juntos. “O recorte 2015–2025 mostra avanços no monitoramento, mas ainda há lacunas na implementação efetiva dos planos e na articulação institucional”, afirma.
Esdras e Kleython sublinham a importância do geoprocessamento e do sensoriamento remoto para mapear mudanças, detectar desmatamentos e orientar fiscalização. Entre as políticas sugeridas pelos especialistas estão pagamentos por serviços ambientais, incentivos à recomposição de matas ciliares e maior priorização orçamentária para fiscalização e recuperação.
Educação ambiental: multiplicador de proteção
“Sem consciência ambiental, qualquer estratégia de preservação será limitada. Precisamos que a população compreenda a relação direta entre a mata e a água que consome.” Esdras Andrade, Pesquisador (UFAL).
Professores e pesquisadores reforçam que a escola e programas de educação ambiental são instrumentos capazes de transformar conhecimento em atitude. Investir em educação é investir em guardiões locais, crianças e jovens que, conhecendo a importância das nascentes, passam a fiscalizar e a cuidar do entorno.
Conclusão: escolhas agora, segurança hídrica amanhã

O balanço do decênio 2015–2025 é ambíguo: houve avanços em monitoramento e parcerias, mas também crescimento urbano desordenado e pressões sobre áreas de recarga. Proteger as APAs do Catolé–Fernão Velho e do Pratagy não é uma pauta setorial é uma decisão urbana e social com impacto direto na saúde, na economia e na qualidade de vida dos maceioenses.
“Proteger nascentes hoje é investir na vida amanhã.” Alex Nazário, gerente de Unidades de Conservação (IMA).
Para transformar diagnóstico em resultado: especialistas e gestores defendem fiscalização reforçada, aplicação rigorosa de planos de manejo, monitoramento por geotecnologias, pagamentos por serviços ambientais e programas continuados de educação. Sem essas medidas integradas, a água que hoje corre das nascentes para as torneiras corre risco e com ela, a própria sustentabilidade da cidade.
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